Olhava o rio do alto do morro.
Já tinha rido em outros tempos, olhando aquele rio – dera a ele o nome de dois amigos, pois o rio se bifurcava, e um dos trajetos dava uma volta enorme, e depois se juntava ao original, voltando a seguir o mesmo caminho.
É, um dos amigos “homenageados” não era conhecido por sua extrema inteligência – tinha um coração de ouro, mas não era dos mais espertos.
Mas agora, não sentia vontade de rir.
Mas era grato pela tranquilidade daquele momento.
Foi quando escutou aquela voz, conhecida.
Um amigo antigo, que já estava, digamos, em um plano mais próximo de Deus.
Ele sempre vinha, de vez em quando, para conversar.
“Bonito, aqui. A primeira vez já faz muitos anos, não é?”
Respondeu que sim.
O amigo conhecia os pensamentos mais íntimos, mas sempre fazia a cortesia de perguntar – penso que ele julgava que a verbalização ajudava a entender melhor as ideias que eventualmente o afligiam.
“Em que você está pensando?”
“Em como a gente sofre, nessa caminhada… Em como, em certos momentos, é difícil manter a fé, a confiança na justiça, a certeza no tal futuro melhor, a força para se manter caminhando…”
“É, eu entendo. Mas a sua dor lhe parece tão grande porque ela é sua. Não estou querendo minimizar, apenas tentando te dar perspectiva.”
“É mesmo?”
“Sim… o filho de Deus, Ele em pessoa, caiu três vezes somente a caminho da cruz, se dirigindo para uma punição pra lá de injusta. Não é de se surpreender que nós caíamos mais vezes.”
“Que seja… mas certos esforços que fazemos, por vezes, além de infrutíferos, acabaram parecendo desnecessários e principalmente, sem o reconhecimento devido.”
“Não quero alimentar uma ilusão em você que o que direi seja fácil, mas devemos fazer as coisas porque acreditamos que são corretas. Se doar, é fazer algo que dificulta a sua vida. Se não, é apenas encaixar atividades.”
Ficaram em silêncio, olhando aquele cenário.
Fim de tarde, sol se escondendo mais cedo por causa da altura dos morros, um vento reconfortante.
“Eu sempre idealizei que em alguns lugares o vento toca música quando passa pelas árvores. Existem lugares assim?”
“Há muitas moradas na casa do Pai – com maravilhas que sequer conseguimos idealizar. Coisas belas e outros regalos que eu nem posso imaginar, na plenitude. Mas tanto aqui como lá, a beleza mais pujante é encontrada nas pessoas.”
“Mas esse vento, quase nos cura, parece até um remédio… existem coisas assim?”
“Não há limite para os recursos de Deus; há limites para a nossa capacidade – ou merecimento – para desfrutá-los.”
“Merecimento é um conceito complicado… como um bom humano imperfeito, faço meu melhor, e muitas vezes achei que merecia mais do que tive. Vejo cada traste por aí com aspectos da vida tão melhores do que o meu…”
“Deus sabe do que você precisa antes que você saiba. Agradeça por todas as vezes que Ele te curou, mas agradeça dobrado pelas vezes que Ele fez com que você aprendesse a não deixar se machucar de novo.”
“É verdade. Saber para onde não voltar, de certa forma, já é andar para a frente.”
E, com a alma mais leve, ele viu o sol se esconder por trás das montanhas.